Por Vinicius de Barros
Em breve deve ser retomado o julgamento do recurso que promete definir no Superior Tribunal de Justiça (STJ) a discussão sobre a contagem do prazo que o Fisco tem para cobrar os sócios pelos débitos fiscais da sociedade, nas situações em que tal medida é autorizada – ou seja, quando for comprovado pelo Fisco o encerramento irregular da empresa ou a prática de algum ato ilícito pelo sócio no exercício da administração da sociedade. O julgamento foi iniciado, porém, adiado em razão do pedido de vista de um dos ministros.
A discussão é bastante relevante, pois não é exagero dizer que interessa a milhões de pessoas físicas e jurídicas. Aliás, muitas dessas pessoas nem imaginam que podem ter os seus nomes envolvidos em cobranças de débitos fiscais e só irão descobrir que se tornaram pessoalmente responsáveis por essas dívidas quando receberem a carta de citação da execução fiscal, ou mesmo quando forem surpreendidas com o bloqueio de suas contas bancárias por ordem judicial.
Anos atrás o IBGE divulgou que quatro em cada dez novas empresas fecham as portas após dois anos da abertura. Pela elevada carga tributária do país, as inúmeras obrigações acessórias impostas pelo Fisco e pela burocracia para fechar legalmente as empresas é de se supor que muitas dessas empresas acabem encerrando suas atividades irregularmente. Veja-se, portanto, que realmente não é exagero dizer que milhões de pessoas estão sujeitas a responderem por débitos deixados por empresas das quais foram sócios, e por isso esse julgamento causa inquietação.
A tese que vem prevalecendo hoje no STJ é a de que o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio deve ocorrer no prazo de cinco anos contados da citação da pessoa jurídica ou da constituição definitiva do crédito tributário. Se não for citado, ou se pelo menos o juiz não ordenar a sua citação nesse prazo, o sócio não poderá ser responsabilizado pelo débito.
A tendência é que essa tese saia vencedora, pois a maioria dos ministros que compõem a seção responsável pelo julgamento da questão vem decidindo dessa maneira, com base em uma decisão proferida em 2009 pela mesma seção. Contudo, ainda não dá para cravar o resultado.
Até agora quem votou contra essa tese foi o ministro Herman Benjamin que, pelo que já foi visto em outros julgamentos, pode ser acompanhado dos ministros Humberto Martins e Mauro Campbell Marques. Caso se confirme os votos desses três ministros, a disputa ficará acirrada.
O Fisco não raras vezes ignora a possibilidade de levantar provas
Como já divulgado há algumas semanas, o ministro Herman Benjamin defende que o prazo de cinco anos para responsabilizar os sócios deve ser contado a partir da constatação do encerramento irregular da sociedade. Ele também defende que se não houver inércia da Fazenda Pública – ou seja, se durante todo o tempo ela promover o andamento do processo na busca por bens ou informações a respeito da empresa devedora -, o decurso do prazo de cinco anos após a citação da empresa não é suficiente para afastar a responsabilidade dos sócios.
Nesse sentido, em um dos seus votos mais emblemáticos ele afirmou que “é possível estabelecer um critério objetivo para analisar a suposta ocorrência da prescrição para redirecionar a execução fiscal, qual seja, a análise, em concreto ou de acordo com as circunstâncias dos autos, quanto à inexistência da prescrição em relação ao devedor principal e, sucessivamente, a identificação do momento a partir do qual se verificou a inércia na movimentação dos autos, desde que atribuível exclusivamente à Fazenda Pública” (REsp 1095687/SP, julgado em 15/12/2009).
No mesmo voto ele acrescentou que a demora na tramitação do feito, decorrente das falhas nos mecanismos inerentes à Justiça, não pode implicar prejuízo à parte credora, nos termos da Súmula nº 106 do STJ.
Com todo respeito ao ministro Herman Benjamin, os pontos defendidos por ele não podem prevalecer, sob pena de se eternizar a responsabilidade dos sócios e tornar as dívidas fiscais imprescritíveis, situações inadmissíveis no ordenamento jurídico.
O fato de a Fazenda Pública não poder ser prejudicada pela morosidade do Judiciário não pode servir de pretexto para imortalizar a responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade. Se o Judiciário é lento, que se busque uma solução para torná-lo mais ágil. Não resolver o problema da morosidade e colocar todos os ônus em cima do contribuinte é “varrer a sujeira para debaixo do tapete”. É por essas e outras que a eterna promessa de reforma no sistema processual não sai do papel.
Se atuasse com diligência e cumprisse o seu dever de fiscalizar as empresas, a Fazenda Pública não dependeria do Judiciário para responsabilizar os sócios pelas dívidas da sociedade. Sobretudo nos casos de débitos decorrentes de auto de infração, a responsabilidade dos sócios poderia ser apurada já no processo administrativo fiscal, o que dispensaria a necessidade da “autorização” do Judiciário para a cobrança dos sócios. Ocorre que o Fisco não raras vezes ignora a possibilidade de levantar provas para responsabilizar os sócios ainda na instância administrativa, e pelo jeito o ministro Herman Benjamin está se olvidando disso.
Enfim, com o devido respeito, as argumentações defendidas pelo ministro Herman Benjamin não podem prevalecer, pois privilegiam a ineficiência e a negligência do Fisco em detrimento da segurança jurídica dos contribuintes. Embora seja merecedor de alguns aperfeiçoamentos, o atual entendimento do STJ deve ser confirmado, pois resolve a questão sem ofender interesses maiores.
Vinicius de Barros é advogado da área tributária do escritório Teixeira Fortes Advogados Associados
via Limite da responsabilidade dos sócios | Valor Econômico.