A informalidade perdeu a vez na contabilidade brasileira, e a meta é a qualificação cada vez maior do setor, em função das exigências do mercado. Segundo José Maria Chapina Alcazar, presidente do Sescon-SP, a contabilidade tem se transformado cada vez mais em contabilidade de gestão e não mais para o fisco. “O empreendedor que não tiver uma boa gestão na contabilidade pode ter problemas na manutenção do seu negócio“, diz Chapina.
Para a qualificação do segmento avançar, uma das apostas é a certificação. Segundo o presidente do Sescon-SP, este ano foram certificadas cerca de 50 empresas. Em 2011, 28. “Está dobrando de um ano para outro“, afirma.
Em entrevista ao DCI, ele destaca a necessidade de uma reforma tributária. “Primeiro precisamos de uma reforma política. A reforma tributária não sai porque não há interesse político. Fica-se criando uma colcha de retalhos“, diz.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Chapina.
DCI: Uma das metas de sua gestão à frente do Sescon-SP é elevar a qualificação na contabilidade. Como está este projeto?
José Maria Chapina Alcazar: A meta é a qualificação cada vez mais crescente em função das exigências da atualidade. A informalidade não tem mais vez no ambiente do empreendedorismo, e a contabilidade se transforma em uma contabilidade de gestão e não mais para o fisco. O empreendedor que não tiver uma boa gestão na contabilidade pode ter problemas na manutenção do seu negócio.
DCI: Há outras iniciativas para fazer avançar a qualificação?
Chapina: Temos o programa de qualidade do Sescon-SP e o ISO 9000. As empresas de contabilidade só conseguem esse certificado depois de passar pela auditoria da ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas]. Para isso, investem em educação, tecnologia, recursos humanos etc. Este ano foram certificadas cerca de 50 empresas. Em 2011, 28. Para obtê-la, empresas têm que ter no mínimo quatro anos de programa de qualidade. Estamos alterando o regimento para flexibilizar, para aquele que já se sente capacitado para buscar a ISO possa fazer um curso intensivo e chegar lá em dois anos.
DCI: Qual a vantagem para escritórios que têm a certificação?
Chapina: Hoje o mercado funciona assim: preciso de uma empresa de contabilidade, gostaria de receber um orçamento, mas só tenho interesse se a empresa participa do programa de qualidade. É uma condição que já começou a aparecer no mercado. No meu escritório, já cheguei a fazer propostas de serviço com essa condição. Sem programa de qualidade, o cliente não quer conversa. Este é um diferencial. E para os recebedores do serviço é uma segurança, pois a empresa está capacitada para oferecer, e, no mínimo, preocupada com a educação continuada dos colaboradores e diretores. Não quer dizer que quem não está no programa não é bom. Mas se percebe que o empresário da contabilidade está se submetendo à educação continuada, ao investimento, participa de eventos, de cursos.
DCI: Que parcela das empresas de contabilidade já participa do programa de qualidade?
Chapina: Estamos chegando, no Estado de São Paulo, a 1% das empresas. O Sescon-SP representa 62 segmentos econômicos, não só empresas de contabilidade. O segmento de contabilidade no Estado de São Paulo equivale a 18 mil empresas, fora os contabilistas; na capital, 10 mil empresas. Associados, com direito a voto, que participam da entidade, são 4 mil. Se estamos com 450 empresas participando, é um bom número. São Paulo está na frente. Levamos o modelo para outros estados, como Pernambuco.
DCI: Essa virada no conceito da profissão já aconteceu?
Chapina: Está acontecendo. O trabalho das entidades da contabilidade -como o Conselho Regional de Contabilidade, o Sescon-SP, o Conselho Federal de Contabilidade, entre outras- está na direção da mudança cultural, por meio da educação. Em agosto, em parceria com a Trevisan e o Conselho Federal de Contabilidade, lançaremos o projeto piloto no Estado de São Paulo, de pós-graduação das empresas de contabilidade. Com isso, o sistema fiscalizador e de controle da profissão quer massificar a cultura no meio, e os profissionais da contabilidade que não virem a necessidade da mudança desaparecerão do mercado.
DCI: Vocês ainda praticam o exame de suficiência?
Chapina: Estamos no segundo ano. O grau de aprovação este ano nos surpreendeu. Não é representativo, mas está melhor do que o da Ordem dos Advogados do Brasil. No primeiro ano, o grau de reprovação foi grande. Este ano não está excelente, mas demonstra um crescimento. O profissional de contabilidade conclui o curso de Ciências Contábeis, é bacharelado, e só estará apto para o exercício da profissão se passar pelo exame de suficiência. Aprovado, recebe a outorga do Conselho Regional de Contabilidade, que é a outorga de exercício da profissão. E esta educação continuada visa ao aperfeiçoamento do profissional. O técnico de contabilidade deixará de existir a partir de 2015 com a aprovação da lei de regência. A partir de 2015 não se formam técnicos de contabilidade no Brasil. Os que já estão continuam. Depois de 2015, só cursos superiores.
DCI: O aumento de exigência de transparência nos balanços está repercutindo de que maneira na atividade do contador?
Chapina: As normas de contabilidade internacionais precisam ser adotadas porque isso facilita a comunicação com os investidores estrangeiros, que conseguem perceber melhor a situação das empresas. Isso é uma coisa que tem tomado tempo do Sescon-SP. Ajudar esses profissionais a se atualizar nessas regras é difícil para certos escritórios de contabilidade. Tudo o que é novidade para o ser humano, por ele não conhecer, acha complicado. Depois das primeiras noções, tudo fica melhor. Recentemente, o Conselho Federal de Contabilidade criou uma comissão a pedido da Federação das Empresas de Contabilidade para criar uma comissão voltada ao estudo dos IFRS [padrão contábil internacional] para as pequenas e médias empresas. Ou seja, criar uma metodologia para simplificar. Recebemos sugestões para essa comissão.
DCI: O que pode ser simplificado na contabilidade?
Chapina: A contabilidade é uma ciência que não tem que ser simplificada. O débito e o crédito não têm como ser mais simplificados. O público está querendo, por não entender as regras, mais simplificação. Simplificar o quê? É a mesma coisa que um médico: como ele vai fazer cirurgia de coração, ou de uma especialidade qualquer, se ele não seguir um procedimento de segurança? Mas se encontrarmos um caminho que possa melhorar um pouco… O Conselho Federal de Contabilidade abriu a oportunidade de debate. Mas o que temos visto na prática: o Sescon-SP, por exemplo, fechou o seu balanço este ano já adaptado às normas internacionais da contabilidade. São pequenos os ajustes de linguagem porque a metodologia da contabilidade não muda. É reconhecimento de valor, de investimentos, como se trata o ativo, como se reconhece o valor presente, o valor de mercado de aquisição. São conceitos que o mercado mundial de contabilidade trata.
DCI: Hoje não tem inflação alta; isso deve facilitar os bancos?
Chapina: Sem dúvida. Quando a inflação era alta, a contabilidade adotou uma metodologia adequada a essa situação. Tínhamos indexadores na contabilidade, que eram obrigatórios. Com a estabilidade dos preços, a contabilidade pode se adaptar aos padrões mundiais. Qual era a divergência? A nomenclatura. Aqui você trata como ativo imobilizado, mas o mercado internacional de contabilidade reconhece como investimento operacional. O que aconteceu foi a convergência de nomenclatura e de identificação nas contas contábeis. Antes, a empresa, para vir ao Brasil e investir, precisava de um tradutor, uma empresa que fizesse a conversão do balanço brasileiro para jogar na linguagem usada lá fora. Hoje, isso acabou e o balanço no Brasil é reconhecido com a mesma nomenclatura no mundo inteiro.
DCI: Em todos os países?
Chapina: Não, a Europa está caminhando para isso. Tivemos um congresso na Europa que discutiu o mesmo tema. Ainda não chegou lá. A resistência é a mesma do Brasil. É cultural. Blocos de entendimento e não há convergência. O Brasil está avançado nessa questão. A lei de regência também, porque o sistema não tinha segurança e o Brasil é modelo no exercício da profissão, um modelo quase único. Em países de língua portuguesa, o Conselho Federal de Contabilidade está subsidiando conhecimento de cultura para montar o modelo brasileiro. Nos EUA, nos países de língua portuguesa não existe o controle da profissão, a nomenclatura com identificação e outorga e as organizações de controle da profissão não são reconhecidas como no Brasil.
DCI: É uma contradição o Brasil estar tão avançado nessa questão da escrituração digital e ao mesmo tempo ter uma carga tributária tão elevada?
Chapina: De 1940 a 1980, a era industrial, para que servia a contabilidade no Brasil a não ser para as grandes empresas, como estratégia para atender o fisco? Informalidade, venda sem nota. O fisco, com toda essa burocracia que condenamos, conseguiu via tecnologia da informação achar o caminho para a inibição da informalidade. Começou com a nota fiscal eletrônica, e com ela veio o serviço público de escrituração digital… O que acontece com tudo isso? É justo? Temos de aplaudir? Pelo lado da inteligência fiscal, sim. Pelo lado da insensibilidade do governo em dar oportunidade para pequenas e médias empresas, incentivar, reduzir o custo Brasil, reduzir o custo social, isso não acontece. A China está invadindo o Brasil porque o custo social de lá é menor. As empresas competem em condição de desigualdade no Brasil. Além do que, em função da informalidade, a legislação pelo Executivo é sempre proposta tratando o empreendedor brasileiro como desonesto até que se prove o contrário.
DCI: E cabe ao empreendedor provar que não foi sonegação?
Chapina: Provar que foi um erro de informação. Isso é um lado incoerente que os governos precisam olhar para o futuro do País. O Brasil é uma colcha de retalhos com um sistema de tributação insuportável, mas o governo conseguiu fazer disso uma padronização ISO. Tanto o grande como o pequeno e o médio têm que atender os mesmos requisitos de informação para o fisco. Pequenas e médias empresas não têm condição de atingir, vão ser multadas porque não investiram em gestão, tecnologia de informação. As grandes estão com dificuldades também.
DCI: E o que você propõe?
Chapina: Uma reforma tributária. Primeiro uma reforma política; a reforma tributária não sai porque não há interesse político. Fica-se criando uma colcha de retalhos. Plano de Brasil maior, redução do custo dos encargos sociais da folha, isso não resolve. Limitar por faturamento, as empresas com até certo faturamento podem pagar o imposto de renda de 1% ou 2%. Assim surgem os planejamentos tributários. Não é que sou contrário ao sistema de empresa Simples Nacional, sou contrário ao modelo. É complexo.
DCI: Por quê?
Chapina: Porque contrariou todo o sistema de regime de competência. A contabilidade no Brasil reconhece o período de dezembro a janeiro, então trabalhamos com as informações nesse período de competência. O Simples Nacional conseguiu quebrar esse conceito para gerar guia do mês de pagamento. Para gerar a guia de pagamento do simplificado, que é o que o empresário consegue ver, tenho que trabalhar com os 12 meses anteriores para saber se está dentro do limite permitido por lei. Em maio tenho que trabalhar com as informações de abril, março, fevereiro e janeiro de 2012, depois buscar dezembro a março de 2011 para somar e ver se não estourou o limite. Isso a cada mês. Quem arcou com o custo da transformação do sistema de controle interno que gera essa informação foi o empresário da contabilidade. Foram as empresas desenvolvedoras de softwares, que tiveram de se adaptar e os empresários tiveram de pagar. Não interessa para o contribuinte, cliente de um contador, saber qual é a dificuldade de geração. O usuário do serviço de contabilidade quer segurança. Se você pode optar pelo Simples é um problema de quem recomendou. Se a recomendação estiver errada, o prejuízo é do empresário. É complexo e muitos cometem erros. A declaração de opção é livre e de responsabilidade do contribuinte. O fisco tem cinco anos para validar se foi a opção certa. Se errou, retroage os últimos cinco anos. Por exemplo, uma empresa com serviços de profissionais de jornalismo não pode ser Simples Nacional. O que o mercado faz? Abre uma empresa de editoração gráfica ou serviços de fotografia, mas a atividade é de jornalismo. Quando a Receita Federal chegar neste contribuinte, e vai chegar, e identificar que a atividade exercida não corresponde com a atividade declarada, desenquadra. Agora, tudo é eletrônico. Aí cruza, vem uma notificação eletrônica desenquadrando. Estamos passando por uma mudança cultural que precisa chegar na cultura do governo. Ele chegou no governo para impor aos cidadãos brasileiros, como deve ser feito e como cumprir a lei complexa. Só que o governo que a pratica… estamos vendo Cachoeiras da vida todo dia. Isso é ótimo: a Polícia Federal prendendo pessoas que achávamos que nunca seriam presas. Se vai acontecer alguma coisa… Está na mídia. É uma mudança cultural e a contabilidade nesse contexto está sendo valorizada. Aqueles profissionais que não aproveitarem o momento vão desaparecer. Não tenho dúvidas disso, e essa é a função do Sescon-SP.
DCI – SP
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