por Fabio Rodrigues de Oliveira | FISCOSOFT
Quando se trata da questão de insumos, uma dúvida que sempre vem à tona é saber quais seriam os insumos da atividade comercial, haja vista que as discussões existentes sempre focam na atividade industrial ou na prestação de serviços.
Para responder a esta questão, no entanto, é necessário conhecer as correntes de interpretação da não cumulatividade, as quais se dividem, basicamente, em corrente constitucionalista e corrente legalista.
Corrente constitucionalista
Para os juristas da corrente constitucionalista, a não cumulatividade é um princípio constitucional, o qual deve ser observado pelos tributos que adotem essa sistemática. Para esses juristas, o legislador não é livre para relacionar quais são os créditos admitidos ou não. Com isso, a relação de créditos prevista no artigo 3º das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003 seria meramente EXEMPLIFICATIVA (ou, ainda, inconstitucional!).
Faz parte deste grupo, por exemplo, José Eduardo Soares de Melo (2009, p. 273), para o qual “a estrutura de um regime não cumulativo pressupõe – de modo lógico, natural, e jurídico – a adoção de critérios consistentes em determinadas posturas que objetivem evitar a cumulação das cargas tributárias, e mecanismos hábeis e eficazes para a sua plena operacionalidade”. Esta posição também é adotada por Fátima Fernandes Rodrigues de Souza (2004) e Sacha Calmon Navarro Coêlho (2009).
Seguindo esta linha de interpretação, e tendo em vista que as contribuições incidem sobre as receitas, todos os custos e despesas necessários à geração de receitas deveriam permitir a apropriação de créditos. Despesas com propaganda ou comissões de venda, por exemplo, estariam enquadrados nesta categoria e permitiriam o aproveitamento de créditos.
Veja que para esta corrente não se discute o que é ou não insumos. Isso pouco importa. O critério identificador do que permite a apropriação de crédito é saber se o custo ou a despesa são necessários para a geração da receita.
Destaca-se, todavia, que despesas com mão de obra, ainda que imprescindíveis à geração da receita, continuariam de fora, uma vez que pagamentos a pessoa física, pelas regras gerais da não cumulatividade das contribuições, impedem o aproveitamento de créditos.
Corrente legalista
Do lado oposto aos autores que vêem a não cumulatividade como um princípio que não comporta restrições, há aqueles que encaram a não cumulatividade das contribuições sociais como simples favores fiscais. Partindo dessa premissa, o legislador estaria livre para relacionar os créditos que podem ser apropriados. Neste sentido, Carlos César Sousa Cintra (2009), para o qual, tendo em vista que a Constituição não traz um detalhamento acerca de como se deve operacionalizar a não cumulatividade, não haveria, a princípio, vício algum no modo escolhido pelo legislador para operacionalizá-la.
Para esta corrente, a qual é seguida pela administração tributária, a relação de créditos prevista no artigo 3º das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003 é TAXATIVA. Com isso, para aproveitamento de créditos, não basta que o custo ou a despesa sejam necessários à geração da receita, é preciso que eles estejam previstos na legislação.
Acompanhando esse raciocínio, da leitura do artigo 3º das referidas Leis é possível concluir que na atividade comercial será possível, basicamente, o aproveitamento de créditos em relação a:
a) bens adquiridos para revenda (inciso I);
b) energia elétrica e energia térmica, inclusive sob a forma de vapor (inciso III);
c) aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos (inciso IV);
d) valor das contraprestações de operações de arrendamento mercantil (inciso V);
e) depreciação e amortização de edificações e benfeitorias em imóveis próprios ou de terceiros (inciso VII);
f) bens recebidos em devolução cuja receita de venda tenha integrado faturamento do mês ou de mês anterior, e tributada na forma não cumulativa (inciso VIII);
g) armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda, quando o ônus for suportado pelo vendedor (inciso IX).
Destaca-se que tais créditos não estão restritos à atividade industrial ou à prestação de serviços, ao contrário do que ocorre com a depreciação de “máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado”, que geram créditos apenas quando “adquiridos ou fabricados para locação a terceiros, ou para utilização na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços” (inciso VI).
A cada inciso a ser analisado, portanto, é necessário verificar a sua extensão, ou seja, se ele abrange todas as atividades da empresa ou se é limitado à produção de bens ou serviços. As limitações gerais contidas na legislação, como pagamentos a pessoas físicas, também devem ser observadas por esta corrente.
E os insumos?
Além dos incisos já mencionados no tópico anterior, cabe destaque ao inciso que permite o aproveitamento de créditos em relação a insumos, o qual mais gera dúvidas, tanto pela subjetividade deste termo, quanto pela ampla extensão que deles se possa esperar. Ele é transcrito a seguir:
II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes […]; (gn)
Por mais que se possa esperar da amplitude deste inciso, não é possível ignorar, no entanto, os trechos em destaque, que limitam a definição de insumos à prestação de serviços e à produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda. Na atividade puramente comercial, portanto, não haveria custos ou despesas a serem enquadrados nesta categoria. Por mais ampla que possa ser a definição de insumos, ela sempre seria incompatível com a atividade comercial, seguindo a corrente legalista.
Logo, despesas com propaganda ou comissões de venda não permitiriam o aproveitamento de créditos, pois não estão inseridos em nenhum dos incisos mencionados no tópico anterior e nem mesmo na presente definição de insumos.
Da mesma forma, muitas outras despesas da atividade comercial, como depreciação de equipamentos ou despesas administrativas, também ficariam de fora das possibilidades de aproveitamento de créditos por aqueles, que a exemplo do Fisco, seguem a corrente legalista.
Conclusões
Na análise dos custos e despesas geradores de créditos, a primeira decisão a ser tomada é sobre a corrente a ser seguida. Optando pela corrente constitucionalista, para conhecer as hipóteses de geração de créditos, basta saber se o custo ou a despesa são necessários à geração da receita.
Seguindo a corrente legalista, é necessário saber se o custo ou a despesa se enquadram em um dos itens previstos na legislação. Neste caso, a análise não deve ficar restrita à necessidade ou importância do gasto.
Na primeira corrente, a relação de créditos será mais ampla, todavia, com maiores riscos, haja vista que não é seguida pela administração tributária. Na segunda corrente, os riscos fiscais são menores, no entanto, os custos para a empresa serão maiores, o que também é um risco para a atividade.
Caberá a cada empresa, portanto, analisar os riscos e benefícios de cada corrente e decidir qual caminho seguir. Para aqueles que adotarem uma definição mais ampla, é importante buscar o judiciário para defesa do seu entendimento.
Referências
CINTRA, Carlos César Sousa. A não-cumulatividade no direito tributário brasileiro: teoria e prática. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética; Fortaleza: ICET, 2009. cap. 5, p. 103-151.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Não-cumulatividade tributária. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética; Fortaleza: ICET, 2009. cap. 14, p. 449-482.
MELO, José Eduardo Soares de. Não-cumulatividade. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Não cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética; Fortaleza: ICET, 2009. cap. 14, p. 262-287.
SOUZA, Fátima Fernandes Rodrigues. A não cumulatividade no direito tributário brasileiro. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). O Princípio da Não cumulatividade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, cap. 8, p. 225-264.
*Fabio Rodrigues de Oliveira é diretor da SYSTAX e Professor do MBA em Gestão Tributária da FIPECAFI. Advogado. Contabilista. Mestre em Ciências Contábeis. Coautor de diversos livros em matéria tributária. Consultor de Imposto de Renda, CSLL, PIS, COFINS, Direito Societário e Contabilidade.
Fonte: FISCOSOFT via Fenacon