Atual coordenador da Câmara de Gestão e Planejamento do governo federal, Jorge Gerdau afirmou, recentemente, que até o final deste ano a unificação do PIS e da Cofins passaria a concentrar essa tributação nos produtos, ao invés de onerar a cadeia de suprimentos, como sempre ocorreu.
Embora essa perspectiva pareça das melhores, o caótico cenário tributário brasileiro torna duvidoso se temos motivos para comemorar de antemão essa mudança, ou ficar mais preocupados ainda diante dela. Um provável aumento de alíquotas, como se tem especulado, nem seria a razão principal dessa dúvida, cujo sentido fica mais fácil compreender mediante um breve retrospecto.
Em 2010, a Receita Federal do Brasil instituiu, por meio de Instrução Normativa, a Escrituração Fiscal Digital das Contribuições (EFD-Contribuições), originalmente para controlar a apuração do PIS/Pasep e da Cofins, porém com o escopo ampliado a partir da criação da Contribuição Previdenciária sobre a Receita.
Essa obrigação acessória é mais um componente do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), cujos primeiros projetos – Nota Fiscal eletrônica (NF-e); Escrituração Contábil Digital (ECD); Escrituração Fiscal Digital do ICMS e IPI (EFD-ICMS/IPI) – têm obtido êxito no cumprimento de seus objetivos.
NF-e, ECD e EFD-ICMS/IPI promovem uma real integração entre as administrações tributárias e caminham para a simplificação das obrigações acessórias. Também contribuem significativamente para o combate à economia subterrânea. Do ponto de vista empresarial, a Nota Eletrônica e a ECD viabilizam a automação de procedimentos empresariais, reduzindo custos e agilizando processos.
Em um aspecto bem mais profundo, a EFD-ICMS/IPI age sobre as empresas demandando um novo patamar de gestão empresarial, fundamentado em princípios de governança corporativa. Muitas empresas de todos os portes estão sendo convocadas a uma mudança de postura administrativa.
Entidades representativas e de apoio ao empreendedorismo têm alertado sobre a necessidade de melhor gestão em seus mais diversos aspectos: planejamento financeiro e tributário, controle de estoques e desenvolvimento de recursos humanos.
Os empreendedores que atenderam a este chamado encaram a EFD-ICMS/IPI como uma forma (agora digital) de apresentação destes controles ao Fisco. Já aqueles que desconsideraram o desenvolvimento gerencial de seus negócios, têm dois desafios: estabelecer modelos administrativos confiáveis e apresentar seus números à autoridade tributária.
Enfim, estes três projetos promovem o amadurecimento da nação e do empreendedorismo responsável, compatível com a realidade do Terceiro Milênio.
A EFD-Contribuições, entretanto, apresenta três erros graves em sua concepção e aplicação, que acabam desalinhando o próprio SPED de sua proposta inicial.
A primeira falha evidente é que esta escrituração foi instituída tendo como pilar um conjunto normativo instável, caótico, complexo, antagônico e anacrônico. Nada menos que 75 normas regulamentam as contribuições do PIS e da Cofins, dentre as quais muitas originadas de Medidas Provisórias, para que se tenha uma ideia.
Além disso, há normas infralegais que jamais foram submetidas ao Congresso: 76 Decretos, 19 Portarias, 88 Instruções Normativas, 43 Atos Declaratórios e uma infinidade de Soluções de Consulta. Sem contar as incalculáveis decisões judiciais, muitas delas contraditórias.
Milhões foram investidos em sistemas de informação na tentativa de automatizar regras indefinidas, que ferem os princípios básicos da engenharia de software, ao torná-los excessivamente caros e complexos. Na prática, cada empresa tem suas particularidades com relação a estes tributos, o que inviabiliza o ganho de escala na construção e implantação de soluções polivalentes.
O segundo erro está relacionado aos prazos de implantação. A EFD-ICMS/IPI, por exemplo, foi criada em 2006 e mantém um cronograma gradual de obrigatoriedade respeitando características regionais, de tal forma que 1,5 milhão de empresas serão incluídas nesse projeto até 2014.
Já a EFD-Contribuições surgiu em julho de 2010 e até janeiro de 2013 obrigará esse mesmo contingente, porém sem considerar peculiaridades setoriais, regionais ou de porte. Uma verdadeira carnificina com as pequenas empresas, que estarão sujeitas a multas mensais de R$ 5 mil por omissão ou erro.
O terceiro problema é a falta de compromisso da EFD-Contribuições com os objetivos iniciais do SPED. Em tese, os projetos do Sistema deveriam nascer da integração dos fiscos em suas diversas esferas, com objetivos que incluem os de simplificar, racionalizar e reduzir as redundâncias existentes em meio a centenas de obrigações tributárias.
Entretanto, analisando-se as informações solicitadas pela EFD-Contribuições, percebe-se ainda uma similaridade em torno de 50% com a EFD-ICMS/IPI. Numa rápida passada de olhos já é possível perceber que os dados cadastrais de empresas, produtos, clientes, fornecedores e documentos fiscais simplesmente coincidem.
Ora, se metade das informações é a mesma, por que duas obrigações distintas dentro do SPED? Não seria mais racional que uma integração de fato incluísse o diálogo entre a autoridade tributária federal e seus pares nos estados?
Tudo isso, sem dúvida, aumenta nosso custo de conformidade tributária que, diga-se de passagem, é o maior do planeta, segundo pesquisa do Banco Mundial demonstrando que este ônus, somado aos trabalhistas, supera em quase 10 vezes a média mundial.
A solução existe, depende do interesse verdadeiro em fazer do Brasil uma nação mais competitiva e madura, mas demandaria o reconhecimento oficial de tais erros, além da suspensão imediata do projeto, pelo menos até a publicação da prometida unificação do PIS e da Cofins. Do contrário, corremos o risco de ampliar ainda mais o recordista Custo Brasil, um mérito nenhum pouco honroso para um país realmente digno de ostentar o título de emergente.
* por Roberto Dias Duarte [Portal Contábil SC | Unindo a Contabilidade Catarinense.