Por Giseli Cabrini.
Usar adaptação às novas regras contábeis e fiscais como forma de melhorar a gestão pode trazer retorno no futuro.
Desde sua criação oficial, em 2005, uma sigla de apenas quatro letras vem tirando o sono de muitos supermercadistas, em especial, os de médio e pequeno porte. Trata-se do Sped (Sistema Público de Escrituração Digital) que tem como principal objetivo tornar totalmente digital a entrega de documentos contábeis e fiscais aos governos municipal, estadual e federal. Implantadas por módulos, as novas regras preveem que todos os impostos incidentes sobre a atividade empresarial estejam contemplados no Sped. Até o momento, de acordo com o cronograma estabelecido e em vigor desde 2007, já entraram em vigor os seguintes módulos do novo sistema: Nota Fiscal Eletrônica (NF-e),
Sped Contábil, Sped Fiscal (ICMS e IPI) e Sped Contribuições (PIS/ Pasep e Cofins). Outros projetos virão, paulatinamente, entre eles um que promete beneficiar os varejistas: a Nota Fiscal do Consumidor Eletrônica (NFC-e), uma alternativa para o cupom fiscal, que está em fase piloto.
“É muito importante que os empresários participem do projeto, assim como as entidades de classe que o representam, no sentido de divulgar as novas exigências e também negociarem de prazos e simplificação do projeto” Roberto Dias Duarte, autor de uma série de livros sobre o Sped.
À primeira vista, a complexidade das regras e os prazos estabelecidos para o cumprimento de alguns dos módulos do Sped representam uma dor de cabeça para os empresários. Demandam altos investimentos em novas tecnologias, capacitação e reestruturação organizacional. Preveem a adequação de sistemas integrados com linguagem de difícil adaptação e submissão total aos layouts impostos pelo Fisco.
Há, ainda, as consequências que podem surgir caso as exigências não sejam atendidas. Segundo especialistas no tema, ouvidos pela reportagem, as multas são punitivas e variam, de acordo com cada módulo, mas em geral o valor é de R$ 5 mil pela não entrega ou pelo envio incorreto das informações. E, além disso, as empresas em desacordo ficam mais vulneráveis à mira do fisco e, consequentemente, se tornam alvo de ações mais rigorosas. Na avaliação dos especialistas, a chave para transformar essa obrigação, legalmente classificada como acessória, em uma fórmula para tornar a gestão do seu negócio mais salutar está em lançar um novo olhar sobre ela. “Os empresários precisam entender que o Sped é de fato uma ferramenta de gestão tributária que pode mobilizar toda a empresa e fazer com que os elementos (recursos e pessoas envolvidas) trabalhem a favor desse negócio”, explica Geuma Nascimento, sócia-diretora da Trevisan Gestão & Consultoria. “O Estado é um sócio do negócio e quer informações detalhadas sobre a gestão da empresa. Não basta pensar apenas em atender ao Fisco, mas sim em melhorar o próprio negócio”, afirma Roberto Dias Duarte, autor de uma série de livros sobre o Sped.
Portanto, investir em novas tecnologias, como aquisição de novos softwares que tornam mais ágil o envio das informações aos órgãos reguladores, é apenas uma parte da lição de casa. “Não basta apenas automatizar a gestão. A empresa precisa se profissionalizar, ter, de fato, um melhor controle interno. Por exemplo, um supermercado de bairro investe em um novo software, mas na hora de fazer o check-out de uma mercadoria o profissional encarregado verifica que ela não está estoque e digita um código genérico, vendendo esse item como se fosse o outro. Essa imprecisão é um erro que coloca em xeque todo o esforço que foi feito”, explica Duarte. Nesse sentido, supermercados e demais empresas atuantes em comércio devem estar atentos ao “cadastro de produtos”. Ele é a base para a gestão de um supermercado. Todos os itens comercializados são registrados nele e, com o avanço do Sped, esses cadastros deverão estar totalmente corretos e completos, de acordo com as exigências atuais do Fisco, assim como as transmissões da escrituração Fiscal Digital (EFD) para os impostos IPI e ICMS e para as Contribuições PIS/Pasep e Cofins que precisam seguir esses mesmos padrões.
Dessa forma, segundo os especialistas, as possíveis desvantagens do novo sistema precisam ser trabalhadas de forma estratégica para que os gastos iniciais de recursos, tempo e energia possam gerar retorno futuro. Assim, é necessário aproveitar os investimentos para realizar melhorias na organização e nos controles internos. Administrando melhor suaempresa, é possível aprimorar processos como controle de giro do estoque, compras e precificação, entre outros pontos. “No médio e longo prazo, pode-se pensar que o limão vira uma limonada”, resume Geuma. Devido à grande quantidade de itens que os supermercados operam, essas empresas devem sempre estar atentas também à legislação vigente quanto ao PIS/Pasep e Cofins. Vez ou outra, o governo concede isenções ou outros incentivos que afetam tais contribuições e isso deverá, obviamente, ser levado em conta no momento da apuração e transmissão ao Sped.
Portanto, o cumprimento das exigências torna possível um melhor “aproveitamento de créditos”, assim como sua recuperação. “Hoje, com o Sped, pode-se pode-se, por exemplo, aproveitar créditos de PIS e Cofins ligados à produção da padaria, açougue, restaurante, mercadorias em consignação, entre outros”, ressalta Geuma. Além disso, mais da metade de gastos com papéis, já que não haverá mais a necessidade de imprimir ou conservar livros fiscais por cinco anos, promete ser cortada. Outra vantagem está na eliminação de erros na documentação quanto aos dados fiscais.
Mobilização
Os especialistas destacam outra postura importante a ser adotada em relação ao Sped. Compreender os objetivos do projeto — combate à sonegação fiscal e à economia subterrânea, como é chamada a produção de bens e serviços que não é declarada aos órgãos do governo responsáveis pela arrecadação de impostos no País — traz vantagens para todos os envolvidos. Para se ter uma ideia, em 2003, a economia subterrânea representava 21% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Em 2010, esse índice caiu para 18,3% do total de riquezas produzidas no País, o equivalente a R$ 663,4 bilhões, segundo o Índice de Economia Subterrânea, auferido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco).
“A partir do momento que o empresário prestar mais atenção a esses objetivos, passará a dar mais importância ao tema e se juntará à equipe técnica do projeto e aos seus possíveis parceiros especializados no tema, para discutir as estratégias de atendimento dessa obrigação e assim, mitigar os altos riscos”, explica Geuma. “É muito importante que os empresários participem do projeto, assim como as entidades de classe que o representam, no sentido de divulgarem as novas exigências e também na negociação de prazos e simplificação do projeto”, defende Duarte.
Segundo ele, nesse sentido, a mobilização dos empresários pode ajudar a aprimorar o módulo Sped Contribuições que, na visão de Duarte, possui uma legislação confusa, instável e antagônica. “Para se ter uma ideia da complexidade são 75 leis, 76 decretos, 19 portarias, 88 instruções normativas, 43 atos declaratórios, fora as decisões judiciais que falam sobre esse assunto. O prazo para adaptação é muito curto: apenas em dois anos e meio. Além disso, metade das informações dessas contribuições é coincidente com os dados do Sped Fiscal do ICMS. A diferença está na apuração do tributo”. Na visão do especialista, uma forma de simplificar essas questões estaria no estabelecimento de uma só regra adaptada a todos os tributos: IPI, ICMS, PIS/Pasep e Cofins.
O que vem por aí
A Nota Fiscal do Consumidor Eletrônica (NFCe), uma alternativa para o cupom fiscal, é um dos módulos do Sped que promete trazer vantagens mais tangíveis para os supermercadistas. O projeto da NFC-e está sendo comandado pelo Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais (Encat), a pedido do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
A iniciativa tem como objetivo fortalecer a fiscalização eletrônica do varejo e apresentar uma alternativa para os documentos fiscais existentes que registram operações em que o destinatário seja o consumidor final (pessoa física ou jurídica). Ou seja, documentar operações comerciais de venda presencial a consumidor final, em operação interna na qual não haja transporte e sem geração de crédito de ICMS ao adquirente.
As Secretarias da Fazenda estaduais receberão as informações tão logo ocorra o fato gerador. A interferência no ambiente do contribuinte será mínima à medida que o Fisco estadual não precisará vistoriar máquinas para obter as informações que estarão disponíveis no ambiente virtual.
As Secretarias da Fazenda estaduais receberão as informações tão logo ocorra o fato gerador. A interferência no ambiente do contribuinte será mínima à medida que o Fisco estadual não precisará vistoriar máquinas para obter as informações que estarão disponíveis no ambiente virtual.
Embora a migração para a NFC-e não seja obrigatória, a Secretaria da Fazenda do Amazonas (Sefaz/AM) acredita que a maioria das empresas adote a nova ferramenta por causa das facilidades. Atualmente, os contribuintes do estado gastam com a compra do ECF, impressora fiscal e aplicativo, em média, R$ 3,5 mil. Além disso, as empresas também devem cumprir as etapas de processo para a habilitação das máquinas junto às Sefaz/AM, cuja liberação pode demorar mais de uma semana. Nos períodos de alta nas vendas, como o Natal, quando as empresas solicitam o registro de mais ECFs para atender o crescimento da demanda no comércio, o prazo pode ser ainda maior. Com a NFC-e todo esse processo será abolido, em virtude das transmissões serem feitas online para a Sefaz/AM, o conhecimento da operação será em tempo real.
A expectativa é de que a NFC-e seja adotada na maioria dos estados brasileiros, em 2013. A mudança que irá padronizar os registros de operações no comércio varejista terá como base os parâmetros estabelecidos para a NF-e (Nota Fiscal Eletrônica). “Após os avanços da NF-e que já conta com quase 1 milhão de emissores e mais de 5 bilhões de documentos, é a vez da nota fiscal voltada para o varejo que irá apresentar uma alternativa mais barata e funcional para as operações voltadas ao consumidor final”, resume Eudaldo Almeida de Jesus, coordenador-geral do Encat.
Atualmente, apenas Amazonas, Sergipe, Maranhão, Acre, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul participam do projeto cuja fase piloto começou em setembro deste ano. Nessa etapa, conhecida como homologação, serão promovidos os devidos ajustes a fim de que a NFCe possa entrar em processo de produção, já em outubro.
Do lado da iniciativa privada, participam do projeto 36 empresas, sendo seis delas, redes varejistas: Atacado Atack, Makro, Supermercado Araújo, Grupo Pão de Açúcar, Walmart e Zaffari (veja quadro). Vale destacar que o prazo final de adesão a essa etapa inicial foi encerrado em 28 de agosto deste ano.